segunda-feira, 4 de novembro de 2013

ARISTÓTELES COM UM BUSTO DE HOMERO[1]

Como um jorro de seda (em pregas,
em dobras) a luz
se instala na tela, naquele
espaço que é treva
como todo espaço
onde a luz (o pincel
de Rembrandt) ainda não
chegou
e da treva emerge
o mundo: o rosto
as mãos a seda o mármore
do busto o metal
da corrente (negror e
ouro) coisas reais
tornadas
irreais e mais
reais porque vozes
imagens
dessa fala
humana
chamada pintura

na pele da tela
flameja
a luz
parada e veloz

como se
na parede do Metropolitan
Museum
de repente
abrissem uma janela
para
a maravilha.
      



Não é uma sensação apenas visual – é também tactil, de espessa (e fulgurante) materialidade: no ombro esquerdo da figura, que emerge da sombra, um dos pontos onde se dá a passagem, o conflito de luz e treva, a matéria pictórica é rugosa, ferida, quase desordem, como se ali, naquele momento, matéria e luz se transformassem uma na outra, sendo ainda si mesma e a outra, até verter-se em lava leve sobre as mangas da blusa. É uma cena banal – num escritório talvez – um homem e um busto de mármore – mas de fato trata-se de um acontecimento cósmico: a luz e a escuridão do espaço e dos corpos revelados na sua beleza para o espanto do olhar humano.


Legenda da foto:
Rembrandt, Aristóteles com um busto de Homero, 1653



[1] GULLAR,  Ferreira. Relâmpagos - dizer o ver. São Paulo: Cosac & Naify, 2003, pp. 38 e 39



Proposição: Maria José de Carvalho
4 de novembro de 2013

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