ARISTÓTELES COM UM BUSTO DE HOMERO[1]
Como um jorro de seda (em pregas,
em dobras) a luz
se instala na tela, naquele
espaço que é treva
como todo espaço
onde a luz (o pincel
de Rembrandt) ainda não
chegou
e da treva emerge
o mundo: o rosto
as mãos a seda o mármore
do busto o metal
da corrente (negror e
ouro) coisas reais
tornadas
irreais e mais
reais porque vozes
imagens
dessa fala
humana
chamada pintura
na pele da tela
flameja
a luz
parada e veloz
como se
na parede do Metropolitan
Museum
de repente
abrissem uma janela
para
a maravilha.
Não é uma sensação apenas visual – é também tactil, de
espessa (e fulgurante) materialidade: no ombro esquerdo da figura, que emerge
da sombra, um dos pontos onde se dá a passagem, o conflito de luz e treva, a matéria
pictórica é rugosa, ferida, quase desordem, como se ali, naquele momento,
matéria e luz se transformassem uma na outra, sendo ainda si mesma e a outra,
até verter-se em lava leve sobre as mangas da blusa. É uma cena banal – num
escritório talvez – um homem e um busto de mármore – mas de fato trata-se de um
acontecimento cósmico: a luz e a escuridão do espaço e dos corpos revelados na
sua beleza para o espanto do olhar humano.
Legenda da foto:
Rembrandt, Aristóteles com um busto de Homero, 1653
Proposição: Maria José de Carvalho
4 de novembro de 2013
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