sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

A importância da Beleza, segundo Roger Scruton




“Em qualquer época entre 1750 e 1930, se você pedisse às pessoas cultas para descrever o objetivo da poesia, da arte ou da música, elas teriam respondido: a Beleza. E se você perguntasse pela razão disso, você aprenderia que a Beleza é um valor, tão importante quanto a Verdade e o Bem.

Depois, no século XX, a beleza deixou de ser importante. A arte, cada vez mais, concentrou-se em perturbar e em quebrar tabus morais. Não era a beleza, mas a originalidade, conseguida por qualquer meio e a qualquer custo moral, que ganhava os prêmios.

Não apenas a arte fez um culto à feiura; a arquitetura também se tornou desalmada e estéril. E não foi somente o nosso ambiente físico que se tornou feio. Nossa linguagem, nossa música e nossas maneiras estão cada vez mais rudes, egoístas e ofensivas; como se a beleza e o bom gosto não tivessem nenhum lugar real em nossas vidas.  [...]

Eu acho que nós estamos perdendo a beleza e há um risco de que, com isso, nós percamos o sentido da vida.”

São essas as palavras com que o filósofo e escritor inglês Roger Scruton (1944- ) abre o documentário Why Beauty Matters? (Por que a beleza importa?), exibido em 2009 pela emissora BBC como parte da série Modern Beauty. Scruton, que é também autor de um livro sobre o tema (Beauty, Oxford University Press, 2010), defende neste vídeo a tese de que a beleza importa, não apenas como algo subjetivo, “mas como uma necessidade universal dos seres humanos”, destacando igualmente o fato de que, no século XX, após ter cumprido por mais de 2 mil anos um papel essencial em nossa civilização, a beleza deixou de receber a devida importância: “nosso mundo virou as costas para a beleza”, de modo que nos encontramos “rodeados de feiura e demência”.

Ele entende que, para os artistas do passado, a beleza era o remédio para o caos e o sofrimento da vida: “A bela obra de arte traz consolação na tristeza e afirmação na alegria. Ela mostra que a vida humana vale a pena”. Porém “muitos artistas modernos se cansaram dessa tarefa sagrada”, julgando que “a desordem da vida moderna não poderia ser redimida pela arte”. Em vez disso, tal desordem deveria ser exposta.

O marco dessa mudança foi, segundo Scruton, a célebre Fonte de Marcel Duchamp, não em si mesma, mas pelas interpretações que gerou, as quais levaram à conclusão de que tudo pode ser arte. “A arte não mais tem uma posição sagrada, a arte não mais se eleva a um plano moral ou espiritual mais alto; ela é apenas mais um gesto humano entre outros, sem maior significado que uma gargalhada ou um grito.”

Trocou-se o culto à beleza pelo culto à feiura: “Uma vez que o mundo é perturbador, a arte deve ser perturbadora também. Aqueles que procuram por beleza na arte estão somente desligados da realidade moderna.”

Perceba-se a particularidade deste fato para o qual Roger Scruton nos chama a atenção. No caso, apelar para a subjetividade presente na avaliação dos valores estéticos não resolve o problema levantado pelo filósofo, pois aqui não se trata simplesmente de uma mudança de critério para o julgamento sobre a beleza de uma obra de arte. A mudança foi de intenção.

Em primeiro lugar, houve por um lado a drástica diminuição de importância dada à beleza em relação a outros valores, de outra espécie que não a estética, como a novidade, a utilidade, a incomodidade, a agressividade. Ou seja, aconteceu uma transmutação na hierarquia dos valores. Em segundo lugar, dependendo de qual daqueles novos objetivos estivesse em foco, houve uma alteração, em nível escalar, do próprio valor estético almejado, passando-se do belo para o feio: se o objetivo principal é perturbar ou ofender, a feiura estará sem dúvida mais apta a alcançar tal objetivo.

Assim, a crítica de Scruton a esse tipo de arte não é equivalente, por exemplo, às críticas dos acadêmicos em relação à pintura impressionista ou dos renascentistas em relação à arte medieval. Tais divergências de gosto na história da arte sim podem justificar-se por certa subjetividade própria dos julgamentos de valor. É possível dizer que acadêmicos, impressionistas, renascentistas e medievais privilegiavam aspectos diferentes da beleza. Mas nenhum deles poderia ser acusado de desprezá-la em sua totalidade ou de buscar deliberadamente produzir algo feio.

Teria a arte mudado de natureza no século XX? Ou melhor, teria sido o termo “arte” indevidamente apropriado por algo alheio a ela?  Questões como essas surgem das tiradas irônicas de Scruton:

“Às vezes a intenção é nos chocar, mas o que é chocante na primeira vez é chato e vazio quando repetido. Isso conduz a arte para dentro de uma piada intrincada, que agora deixou de ter graça.”

“A arte criativa não é realizada assim, simplesmente tendo uma ideia. Claro, ideias podem ser interessantes e divertidas, mas isso não justifica a apropriação do rótulo de ‘arte’. Se uma obra de arte não é nada mais que uma ideia, qualquer um pode ser um artista e qualquer objeto pode ser uma obra de arte. Não há mais necessidade de habilidade, gosto ou criatividade.”

“Então, a arte de hoje nos mostra o mundo como ele é, o aqui e agora com todas suas imperfeições; mas o resultado realmente é arte? Certamente uma coisa não é uma obra de arte somente porque mostra um pedaço da realidade (a feiura incluída) e se auto intitula de ‘arte’. A arte precisa de criatividade, e criatividade é sobre compartilhar, é um chamado para que os outros vejam o mundo como o artista o vê.”

Não se entenda que Scruton se refira a toda a arte produzida desde 1930 até os dias de hoje. É óbvio que expressões como “a arte de hoje” trazem implícita a existência de exceções à regra, o que é inclusive salientado pela menção, no vídeo, de duas dessas exceções: um escultor, Alexander Stoddart, e um arquiteto, Leon Krier. A “arte de hoje” a que o filósofo se refere é um tipo específico, que pode ser induzido a partir dos exemplos apresentados no documentário, e que recebe essa referência genérica por ser aquele de maior relevo e prestígio no establishment artístico, de tal modo que “Aqueles que tentam restaurar a antiga conexão entre o belo e o sagrado são vistos como antiquados e absurdos”. (Vale notar ainda que ele analisa especialmente a situação na Grã-Bretanha).

Do mesmo modo, não se entenda que para Roger Scruton a feiura e a perturbação devam ser inteiramente desvinculadas da arte. Não é assim. Após resumir a história das concepções filosóficas relativas à beleza (de Platão a Kant), ele volta a um ponto mencionado no início:

“Obviamente esse hábito de enfatizar o lado desolador da vida humana não é novo. Desde o início de nossa civilização, tem sido uma das tarefas da arte pegar o que é mais doloroso na condição humana e redimi-lo em uma obra de beleza. A arte tem a habilidade de redimir a vida ao encontrar beleza até nos piores aspectos das coisas.”

A diferença é exemplificada pela comparação entre uma pintura de Delacroix, que representa uma cama desarrumada, e uma instalação de Tracy Emin, que é uma cama desarrumada. Conforme interpreta Scruton, a pintura de Delacroix traz “beleza a algo que não a tem”, conferindo “uma espécie de bênção, em seu próprio caos emocional.”

“A cama é transformada pelo ato criativo, para se tornar outra coisa: um símbolo vívido da condição humana, um símbolo que estabelece um vínculo entre nós e o artista.” Embora alguns vejam esse significado também na instalação de Tracy Emin (intitulada “My Bed), Roger Scruton faz uma distinção: “mas há toda a diferença do mundo entre uma verdadeira obra de arte, que transforma a feiura em algo belo, e uma falsa obra de arte, que participa da feiura que exibe”. A cama de Emin “é só mais uma realidade sórdida entre outras; literalmente, uma cama desarrumada.”

Enfim, a discussão levantada por Scruton se refere à hierarquização dos valores, ao porquê de certos valores valerem mais do que outros. E, nessa discussão, ele defende fervorosamente a importância da Beleza:

“Neste filme eu descrevi a beleza como um recurso essencial. Através da busca pela beleza, nós modelamos o mundo como um lar e, fazendo isso, nós igualmente ampliamos nossas alegrias e encontramos consolação para nossas tristezas. A arte e a música lançam uma luz de significado na vida ordinária e, através delas, nós somos capazes de enfrentar as coisas que nos preocupam e encontrar consolação e paz em suas presenças. Essa capacidade da beleza, de redimir nosso sofrimento, é um motivo pelo qual a beleza pode ser vista como substituta para a religião.

Por que dar prioridade à religião? Por que não dizer que a religião é uma substituta da beleza? Melhor ainda, por que descrever as duas como rivais? O sagrado e o belo, permanecendo lado a lado: duas portas que abrem para um único lugar; e, nesse lugar, nós encontramos o nosso lar.”


Nota: Este texto é um rascunho que poderá ser ampliado e revisado para futura publicação em outro suporte.

Comentário e tradução de
Wilson Filho Ribeiro de Almeida,
24 de janeiro de 2014.

14 comentários:

  1. Muito bom mesmo, o texto! Eu estou atrás dos livros do Roger Scruton.

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  2. Conservador, com uma visão elitista e empobrecedora do próprio fazer artistico.

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    1. Prafrentex, com uma visão mediocrizante e empobrecedora do próprio pensamento de Scruton.

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    2. Brincadeiras à parte, digamos que: "conservador", sim; "com uma visão elitista", talvez, dependendo do significado que se dê ao adjetivo; com uma visão "empobrecedora do próprio fazer artístico", não.

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    3. NÃO mesmo!!! :)

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    4. Empobrecedor é o seu comentário. Quem não tem capacidade literária, só sabe desmerecer aquele que tem. Você é desse tipo: ressentido pela cultura alheia, já que a sua inexiste.

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    5. "Visão elitista"? Então você acha que os pobres gostam mesmo de feiúra? Quem empurra essas coisas horrendas como arte e como designer e arquitetura foram justamente ricos, foi justamente a elite que despojou os pobres da beleza.

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    6. Até as igrejas hoje são feias, nem a essa beleza os pobres tem mais acesso graças a tal arquitetura moderna. E não só nas artes plásticas: compare a beleza da cultura popular antiga em qualquer parte do mundo, seja as canções de camponeses italianos do século XIX, o nosso samba, a lendas chinesas, o folclore russo com a pobreza cultural animalesca que temos nas favelas, onde só se fala nas letras de funk de sexo e violência. Isso começou com as elites prestigiando sexo e violência, isso começou nas universidaes e na escola de Frankfurt, até atingir os pobres e tirar deles a única riqueza que tinha e rebaixá-los a condição mais animalesca que um ser humano pode chegar.

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  3. Ótimo texto. Aguardo o próximo, revisado e ampliado. Leda

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